quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Crônica: Mulher da boca vermelha.



Fraca. Se Helena pudesse ser descrita em uma palavra, esta seria "fraca". Branca demais, magra demais, indefesa demais. Às vezes tinha a impressão que seus próprios passos poder-lhe-iam quebrar as pernas. Era de longe a ponta mais fraca da corda, apenas esperando que alguém viesse cortá-la. Não falava, não sorria, não amava, mas escrevia. Enquanto caminhava com suas pernas finas e brancas pela rua, olhando para a ponta de seus sapatos, em sua mente podia enxergar centenas de palavras alvoroçadas para saírem. Implorando para que fossem libertadas. No mundo real Helena sabia que não tinha chance de mostrar a todos a grandeza da sua dimensão paralela, então apenas se calava e escrevia. Em seu interior havia uma dominadora que organiza e manuseava letra por letra, obrigando-as a se encaixarem e formarem a história que ela precisava contar, nem que fosse pra si mesma.

Nunca teve ponte com o mundo real, nunca quis fazer parte deste lugar. Sentia-se descartável. Não tinha país, irmãos, amigos, e seu único contato com o amor era o que inventava e datilografava em sua máquina velha. No entanto mesmo com toda essa aversão, queria deixar seu legado. Nas poucas horas em que passava longe daquela velha máquina, se questionava quanto a existência de alguém semelhante a ela no mundo. Olhava para cima e procurava por alguém que partilha-se dessa mesma fissura de querer estar dentro de si, no próprio reino. Talvez um garoto, ou uma futura geração de sua própria família; Talvez alguém que falasse outro idioma, em outro fuso-horário. Independente de como ou quando encontrasse, sabia que encontraria, e então escrevia. As vezes por mais de oito horas, até que seus dedos inchassem e calejassem. Queria deixar sua marca na história, queria ter uma história, ou várias. No final de cada obra fazia questão de pegar o batom vermelho, aquela única lembrança que havia sobrado de sua mãe já falecida, e o passava cuidadosamente pelos lábios sempre pálidos. Segurava o papel como quem segura a vida e o beijava delicadamente. Como se entregasse parte de sua alma e todo o seu amor. História por história. Pilha sobre pilha, até o fim de sua vida. 

Os escritos de Helena nunca foram editados, publicados, ou reconhecidos como obras de arte e grandes contribuições para a literatura do país. Mas foram encontrados... Por mim, em uma pequena casinha abandonada. Papéis amarelados, paredes úmidas, insetos ameaçadores por todos os lados. Definitivamente não havia sopro algum de vida naquele lugar. Apenas histórias datilografadas, rabiscos pelas paredes e uma velha máquina de escrever de cor verde que agora possuía ferrugem e teias de aranha. 

Gosto de imaginar que ela está compactada em suas histórias, esperando que alguém apareça e leia seus escritos, compreendendo sua complexidade, amando-a e fazendo-a se sentir viva como nos contos que escrevia fervorosamente. Vibrante como o contorno de sua boca avermelhada, que a fazia se sentir pela primeira vez forte, pela primeira vez como um personagem real. Era Helena, não de Troia, nem de Esparta, nem de nenhum outro homem, era apenas Helena. Helena dos livros, era a Helena senhora de si mesma.

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